sexta-feira, 6 de maio de 2011

A EVOLUÇÃO - DO MUNDO, DA SOCIEDADE, DA MÚSICA SERTANEJA

Um dos grandes problemas da humanidade é tentar definir o indefinível, nominar o inominável, e assim por diante. É daí que surgem os preconceitos, as rixas e, pior ainda, as guerras. Se o nosso planeta tem por volta de 7 bilhões de habitantes, como querer que não haja diferenças? Impossível.

Assim como nos vários aspectos da sociedade, na música não seria diferente. Recentemente o que mais se ouve dizer é que o sertanejo atual não é sertanejo coisa nenhuma, que fere suas raízes, que evoluiu demais e se descaracterizou etc. Enfim, muitos não gostam que esse pessoal mais jovem utilize o mesmo rótulo que os pioneiros lá da década de 1920, mas uma coisa importante a se entender é que tudo evolui, tudo muda.

Charles Darwin também causou polêmica em sua época com a Teoria da Evolução, hoje tida como natural pela maioria das pessoas. Nela ele dizia que tudo o que vemos na Terra se originou de organismos que já existiam anteriormente, ou seja, evoluíram. Órgãos e membros que foram perdendo funções se atrofiaram, a necessidade de voar dotou os répteis de asas e o homem, até então apenas mais um animal, passou a andar ereto e deixou de ser nômade.

CORNÉLIO PIRES

Na música sertaneja também aconteceu uma evolução. Ainda bem, vocês não acham? Sinal de que ela é muito mais longa e forte do que muitos gostariam. Quando Cornélio Pires, estudioso do nosso folclore, se encontrou com a música tradicional dos colonos das fazendas do interior de São Paulo nas primeiras décadas do século XX acabou por tornar conhecido o talvez mais brasileiro dos gêneros musicais. Baseado no toque da viola e no canto em duplas, a música caipira começava então a sair da “roça” para os grandes centros, assim como os próprios homens e mulheres que buscavam nas cidades melhores condições de vida trazidas pela industrialização. Mas nem por isso a música e as pessoas perderam aí sua essência.




Na tendência da turma levada a público por Cornélio Pires, que compilou no livro SAMBAS E CATERETÊS letras de músicas cantadas nas fazendas e que sem tal publicação teriam caído no esquecimento, surgiu uma segunda leva, por assim dizer, de artistas que realmente popularizaram o gênero, como Vieira e Vieirinha, Alvarenga e Ranchinho e Tonico e Tinoco. Pouco depois, sob influência também da guarânia paraguaia e com a companhia de instrumentos como o acordeom e o violão, a música caipira foi se popularizando e ganhando público à medida que os artistas também iam se renovando. Irmãs Galvão, Cascatinha e Inhana, Pena Branca e Xavantinho... Cada qual com seu estilo, com seu jeito, sua identidade própria, mas sem perder em qualidade.



Os anos seguintes trouxeram Léo Canhoto e Robertinho, Milionário e José Rico, Trio Parada Dura, Sérgio Reis (este oriundo da Jovem Guarda)... Com a saída dos circos para os grandes palcos e das rádios AM para as FMs, e ainda o advento e popularização da televisão no Brasil, esses artistas se tornaram cada vez mais conhecidos e passaram a influenciar e incentivar os que estavam começando. Chitãozinho e Xororó, Mato Grosso e Matias, João Mineiro e Marciano, Christian e Ralf, dentre outros, se tornaram os nomes mais populares dessa época, seguidos pouco depois por duplas como Leandro e Leonardo, Zezé di Camargo e Luciano, João Paulo e Daniel, Gian e Giovanni. E então chegamos ao sertanejo de hoje, duramente criticado, mas sem o qual o pessoal que agora tem 20 e poucos anos não conheceria quem começou essa história toda.



Se a introdução do sertanejo nas rádios FM e na televisão popularizou tanto o gênero, o que dizer então do que aconteceu na era da internet, quando as informações correm o mundo inteiro em tempo real? O que diferencia o rapaz de 17 anos que ouve uma dupla universitária em seu iPod daquele que acompanhava as rodas de viola em volta de uma fogueira? O tempo. Muito tempo se passou. Um século! Cem anos! A música sertaneja evoluiu junto com a sociedade. E, pelo amor de Deus, não entendam a palavra “evoluiu” no sentido de melhorar, mas sim de mudar, se adaptar.

Afinal, até o morador, o trabalhador das fazendas do interior do país não é mais o mesmo. Ninguém mais está fadado a permanecer na roça se não quiser, se essa não for sua vocação. Mesmo aqueles que não são de famílias abastadas já têm oportunidade de sair do campo, de estudar, de levar uma vida diferente se quiserem. Claro que nem todos conseguem, que a realidade da maioria ainda é muito difícil, mas as oportunidades existem, isso não se pode negar. O jeito de trabalhar no campo mudou muito também. Hoje não se usa mais o arado puxado por cavalos ou jumentos, as propriedades têm água encanada, luz elétrica, antena parabólica e muitas até internet. Obviamente existem aquelas que nada têm, mas isso é uma questão de desigualdade social, uma outra história muito mais complicada.

O que estamos querendo dizer aqui é que a posição dos puritanos musicais de plantão bate de frente com a realidade do mundo atual. Se o mundo está diferente por que a música sertaneja também não estaria? Seriam então nossos “caipiras” condenados a viver parados no tempo? Se a Bossa Nova nasceu do Jazz e o Rock do Blues por que parece um pecado capital dizer que o sertanejo de hoje se originou nas modas de viola de antigamente?

Muitos críticos usam sua função da maneira mais pejorativa que essa palavra pode ter. Gostam de falar mal por falar. Porque uma coisa é não gostar de certo tipo de música, e outra bem diferente é criticar negativamente só porque aquele não é seu gênero preferido, sem nem sequer tentar ouvir com atenção para saber se o trabalho tem qualidade. É só ver na etiqueta SERTANEJO UNIVERSITÁRIO para carimbar de volta NÃO PRESTA. Fácil ser crítico assim, não é mesmo?

Os estrangeiros que conhecem o Brasil dizem que o maior encanto do nosso povo é a heterogeneidade. E se nossa gente é heterogênea, assim também é nossa música. Comportamos todos os estilos, todos se fundem, todos se completam. Existe espaço para todos, e tentar negar isso, tentar plantar intrigas entre tantos é o mesmo que dizer que negros, brancos, japoneses, bolivianos e nordestinos não são os responsáveis por fazer de São Paulo a capital econômica do Brasil, se são eles que produzem sua riqueza, e sim as empresas estrangeiras detentoras do capital e dos meios de produção.

Recentemente uma pessoa muito respeitada no nosso meio musical, compositor, produtor e crítico realmente criticou, da pior maneira possível, a música sertaneja, do começo ao fim, utilizando-se inclusive de adjetivos como “medíocre”e dando a entender que se tal música era feita por “matutos” não tinha qualidade. E desde quando um diploma pendurado na parede é sinônimo de qualidade? Certamente que nenhum de nossos ícones precursores do sertanejo estudou composição e regência ou filosofia em qualquer universidade famosa do mundo, mas justamente por isso têm mais mérito que qualquer diplomado. O que lhes sobra, o que eles têm em abundância, faltou a tal crítico: humildade.



Quando se fala especificamente do sertanejo universitário, então, o clima fica mais pesado. Rechaçado inclusive por muitos sertanejos, o universitário nada mais é que uma das muitas variações encontradas neste gênero. Se estivéssemos numa aula de Biologia estaríamos falando da “diversificação das espécies”. Se o tema da aula fosse “borboletas” falaríamos da azul grande que se alimenta do néctar das rosas e da amarelas pequeninas que pousam sobre as flores do campo. E nem por isso uma é mais borboleta que a outra. Assim como também Jorge e Mateus, Victor e Leo, João Bosco e Vinícius, João Neto e Frederico, Maria Cecília e Rodolfo, e tantos outros, não são menos sertanejos.

Existe um ditado muito popular que diz: “O que seria do azul se todos gostassem do amarelo?”. O que seria do mundo se todos fossem iguais? E se o homem nunca tivesse descoberto a agricultura e deixado de ser nômade? E se não tivéssemos começado a andar na posição ereta? E se ainda habitássemos as cavernas e cortássemos o cordão umbilical de nossas crias com os dentes? E se... E se... E se parássemos de criticar negativamente aquilo que não gostamos e passássemos a aceitar que podemos viver harmoniosamente?

Não se esqueçam: é dos preconceitos e da falta de diálogo que nascem as guerras. Temos de aprender a conviver pacificamente, ou então voltaremos ao estado mais primitivo de nossa existência, voltaremos às cavernas.